Poucos dias se passaram. Cada um tempo demais.
Secam-se-me as palavras. Não sei o que dizer, o que te dizer. Sei apenas que não devias ter partido, nunca assim.
Olho sobre o ombro e dói. Quero rir, chorar, sonhar, com o teu sorriso, a tua amizade. Que parvo fui, perdia-te e ainda estavas a meu lado.
Os dias agora são outros, sem ti. Já não está quem sempre estava. Choro pensando nos teus netos, no destino vil que os roubou, sem lhes explicar.
E, sem crer, rezo, rezo muito, para que o Céu abrace a tua estrela e que daí se veja o quanto gostava de ti.
"Não sei escrever, mas quero. Devoro cada instante e desespero, quero essa palavra que espero"
segunda-feira, 1 de outubro de 2012
sábado, 29 de setembro de 2012
A Besta em mim
Seguem comigo 39 anos.
Curto lastro dirão, alguns. Concordo.
Contudo, hoje, como nunca, sinto que muito do que deixo me desconforta, envergonha. Uma impressão funda, pesada, triste, a dor de uma perda. Algo que de mim se destacou, longe, perdido.
Dei passos demais. As pernas pensaram por mim, fizeram o meu caminho. E eu, estúpido passageiro, deixei-me ir, sem querer ver o que já se via.
E andei. Simplesmente andei. Tropicando aqui, ali, acolá, no dichote engraçado, no comentário lateral, na pequena ira do momento, ténues sulcos do que deveria ter sido, mas nunca fui.
Em cada pegada cega, a cada curva não escolhida, faltou-me pensar, criticar, censurar, combater, recusar. Não me dei ao trabalho, saciei-me na preguiça, no costume confortado.
E o caminho fez-se, feito comigo mas sem mim.
A Besta, essa, estava pronta. Não usou tácticas nem esquemas. Não foi preciso. Bastou-lhe a minha sombra, tranquila e garantida. Sabia aonde levava aquela estrada, aonde sempre levou.
E quando enfim me soube honrar, tudo se perdera, não havia mais destinos. Se não se escolhe por demasiado tempo, sobejam o negrume e os silêncios, cinzas da ganância e do Poder.
O futuro? Desconheço-o, temo-o. Por meus filhos, por todos nós. Andámos cegos, andamos ainda. A Besta está em nossa casa, a sua. Come a nosso lado, escolhendo, nada deixa.
Porém, na indistinta couraça, uma ínfima brecha persiste. Um vislumbre do que fomos, do que podemos ser.
E, assim queiramos, por ali poderá, ainda, irromper uma luz de outrora. O esplendor uno, poderoso, imparável, de milhões que dizem não.
E serão então nossos, de novo, o grito, a ideia e o caminho.
Curto lastro dirão, alguns. Concordo.
Contudo, hoje, como nunca, sinto que muito do que deixo me desconforta, envergonha. Uma impressão funda, pesada, triste, a dor de uma perda. Algo que de mim se destacou, longe, perdido.
Dei passos demais. As pernas pensaram por mim, fizeram o meu caminho. E eu, estúpido passageiro, deixei-me ir, sem querer ver o que já se via.
E andei. Simplesmente andei. Tropicando aqui, ali, acolá, no dichote engraçado, no comentário lateral, na pequena ira do momento, ténues sulcos do que deveria ter sido, mas nunca fui.
Em cada pegada cega, a cada curva não escolhida, faltou-me pensar, criticar, censurar, combater, recusar. Não me dei ao trabalho, saciei-me na preguiça, no costume confortado.
E o caminho fez-se, feito comigo mas sem mim.
A Besta, essa, estava pronta. Não usou tácticas nem esquemas. Não foi preciso. Bastou-lhe a minha sombra, tranquila e garantida. Sabia aonde levava aquela estrada, aonde sempre levou.
E quando enfim me soube honrar, tudo se perdera, não havia mais destinos. Se não se escolhe por demasiado tempo, sobejam o negrume e os silêncios, cinzas da ganância e do Poder.
O futuro? Desconheço-o, temo-o. Por meus filhos, por todos nós. Andámos cegos, andamos ainda. A Besta está em nossa casa, a sua. Come a nosso lado, escolhendo, nada deixa.
Porém, na indistinta couraça, uma ínfima brecha persiste. Um vislumbre do que fomos, do que podemos ser.
E, assim queiramos, por ali poderá, ainda, irromper uma luz de outrora. O esplendor uno, poderoso, imparável, de milhões que dizem não.
E serão então nossos, de novo, o grito, a ideia e o caminho.
quarta-feira, 7 de março de 2012
Perdidos
A caminho do carro, saído do supermercado, seguia o meu espírito pendendo entre a leveza dos sacos e o peso do conta, quando fui sobressaltado pelo roncar estrondoso de um carro.
Se a princípio nada via, rapidamente o minúsculo palco enformou a cacofonia.
Antes, nesse ínfimo instante de cegueira, pressenti um idiota, arreganhado ao volante de um qualquer Turbo GT, de muitas primaveras, quase tantos cavalos e escape muito racing, sem dúvida o melhor do bairro.
Assim era. Nos longos momentos que se seguiram, um borrão branco, kilos e kilos de plástico, rasgou o espectro. Acelerações violentas, guinadas e razias, enfim terminavam numa última e vigorosa traseirada que deixava tudo aquilo fumegando diante de mim, ali mesmo no lugar para deficientes.
E foi então que, por de trás de um vidro mais cansado que inclinado, insinuando velocidades nunca atingidas, pude vislumbrar um casalinho imberbe.
Não se olhavam mas, era evidente, o ambiente era crispado, de nervos. Logo concluí, analítico, discutiam e a absurda cena ao volante servira de pontuação a um argumento mais exigente, algo como: "Se não te calas espeto o carro ou atropelo alguém, ouviste?!". Reconheça-se, tem de facto alguma força.
Nesse momento, o rapazola abre a porta e sai, decidido, hirto, fulo. Fraca figura, magríssimo, face branca, defunta, pincelada apenas pelo rubor sanguíneo da irritação. Já o cabelo, farto e esculpido a gel, parecia querer gritar uma agressividade que o casaco de cabedal negro e a ganga coçada e justa desarmavam. Não consegui definir se me sentia atemorizado ou desafiado para um disco-hit.
A questão irrelevava porém, ao ritmo acelerado de passos que já rodeavam o chaço e de um súbito abrir de porta pela rapariga, que logo se ergueu. Estremeceu então fundo o meu pânico, quando o sujeito, em chegando, atrasou o braço direito, como quem engatilhava.
Mas eis que, nesse distinto ápice, em que a antecipação galga realidade, o inesperado acontecia. A rapariga abria o seu braço e o greaser renascido ali enfiava o seu, seguindo o par por ali fora, de braço dado, agora em versão indignada.
Grogue de espanto, vejo-os então olhar, fulminantes, para um outro carro, onde um homem parecia reter-se em demasia, emboscado, e escutei um "Palhaço!!!".
Tudo aquilo, todo aquele disparate, o perigo, o alarme, o total despropósito reduzia-se enfim a uma disputa por um lugar, para um carro, num estacionamento vazio, numa terriola qualquer.
Que ninguém me desdiga. Estamos perdidos.
Se a princípio nada via, rapidamente o minúsculo palco enformou a cacofonia.
Antes, nesse ínfimo instante de cegueira, pressenti um idiota, arreganhado ao volante de um qualquer Turbo GT, de muitas primaveras, quase tantos cavalos e escape muito racing, sem dúvida o melhor do bairro.
Assim era. Nos longos momentos que se seguiram, um borrão branco, kilos e kilos de plástico, rasgou o espectro. Acelerações violentas, guinadas e razias, enfim terminavam numa última e vigorosa traseirada que deixava tudo aquilo fumegando diante de mim, ali mesmo no lugar para deficientes.
E foi então que, por de trás de um vidro mais cansado que inclinado, insinuando velocidades nunca atingidas, pude vislumbrar um casalinho imberbe.
Não se olhavam mas, era evidente, o ambiente era crispado, de nervos. Logo concluí, analítico, discutiam e a absurda cena ao volante servira de pontuação a um argumento mais exigente, algo como: "Se não te calas espeto o carro ou atropelo alguém, ouviste?!". Reconheça-se, tem de facto alguma força.
Nesse momento, o rapazola abre a porta e sai, decidido, hirto, fulo. Fraca figura, magríssimo, face branca, defunta, pincelada apenas pelo rubor sanguíneo da irritação. Já o cabelo, farto e esculpido a gel, parecia querer gritar uma agressividade que o casaco de cabedal negro e a ganga coçada e justa desarmavam. Não consegui definir se me sentia atemorizado ou desafiado para um disco-hit.
A questão irrelevava porém, ao ritmo acelerado de passos que já rodeavam o chaço e de um súbito abrir de porta pela rapariga, que logo se ergueu. Estremeceu então fundo o meu pânico, quando o sujeito, em chegando, atrasou o braço direito, como quem engatilhava.
Mas eis que, nesse distinto ápice, em que a antecipação galga realidade, o inesperado acontecia. A rapariga abria o seu braço e o greaser renascido ali enfiava o seu, seguindo o par por ali fora, de braço dado, agora em versão indignada.
Grogue de espanto, vejo-os então olhar, fulminantes, para um outro carro, onde um homem parecia reter-se em demasia, emboscado, e escutei um "Palhaço!!!".
Tudo aquilo, todo aquele disparate, o perigo, o alarme, o total despropósito reduzia-se enfim a uma disputa por um lugar, para um carro, num estacionamento vazio, numa terriola qualquer.
Que ninguém me desdiga. Estamos perdidos.
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