"Não sei escrever, mas quero. Devoro cada instante e desespero, quero essa palavra que espero"

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Cavaco Silva (1/50)

Não tenho por hábito guardar rancor.

Esta característica pessoal é, esclareça-se, perfeitamente inconsciente, não alimentada por lógica doutrinal, ânsia pacifista ou, menos ainda, reflexo de uma especial cristandade de alma.

Muito concretamente, julgo tratar-se de uma incapacidade física, morfológica.

De facto, assuntos infinitamente mais prementes e interessantes são desafio sobejo para os meus contados neurónios, inviabilizando a manutenção, em condições mínimas, de qualquer acervo revanchista.

Ora, com um tal enquadramento, dir-se-ia...craniano, uma mão bastará para trocar por dedos o n.º de pessoas que, ao longo de trinta e muitos anos, me acidificaram o espírito ao ponto da úlcera.

E, sem dúvida, Cavaco Silva, é uma dessas pessoas.

Não sem razão, entendo. Este esfíngico indivíduo, meio termo entre um mau dia de Jim Henson e um Moai fora de prumo, insiste, decorrido mais de 1/4 de século, em destruir preciosos momentos da minha existência, tantos quantos aqueles em que, não autorizado, atravessa o meu espectro para, pleno de si, reviver o seu eterno sonho de educar uma horda bruta, que vislumbra lançada às suas vestes, bebendo, avidamente, entre raios olímpicos, os seus ensinamentos e ditames.

Sem dúvida, a linguagem que utilizo é, também ela, doentia. Reconheço-o. Mas, em minha defesa, recordo, é precisamente de um assunto de saúde que falamos. A minha saúde. Cavaco Silva faz-me mal, bestializa-me, desperta o pior que há em mim.

A mera ideia de que há um Ser, mais ou menos inteligente, académico ou professoral, que se entende e conduz pela certeza própria de que é mais do que os demais, faz da bílis sangue e corrói-me por dentro.

A cada dos seus "eu tinha alertado", por cada assomo virginal e impoluto, em cada esgar de imparcialidade travestida de "não posso comentar", o meu organismo tremula e ameaça a pane.

Cavaco Silva é assim, para mim, uma bizarra Kryptonite. Terrível conclusão esta quando, à evidência, não completo a equação e, pior, os meus ridículos poderes se resumem a 104 teclas e uma vintena de dichotes irritados e de duvidoso gosto.

Estou portanto em dificuldade, carecido de tratamento. Resta-me assegurar a sobrevivência. Não baixar a guarda.

O título acima é o meu mote. Este texto será o 1.º de, pelo menos, 50, que me auto-prescrevi para que, no entretanto - haja esperança - possa lograr a imunidade.

Pinela

terça-feira, 21 de junho de 2011

Fernando Nobre - Case study

Fernando José de La Vieter Ribeiro Nobre. Ou, tão-somente, Fernando Nobre.

Eis o nome público de um homem cuja biografia recente se eleva como fogo-fátuo sobre a viciação da natureza humana.

Eis um profissional reconhecido, um académico apreciado, uma pessoa admirada, a imagem de homem generoso que, em paragens distantes, abraçava infortúnios e terrores.

Eis tudo isso e muito mais desperdiçado, pervertido. O passado é passado e este presente não terá futuro.

Tragicamente, do alto de uma vida tão vivida, Fernando Nobre não viu, não quis ver, que caminhava, pelo seu pé, para um fim sem remédio, sem cura médica.

Desbaratando um capital que era seu, quis ser mais, quis ser tudo, sem abdicar de nada, excepto de si próprio.

Com um despudor que não se lhe reconhecia, fez sua a Verdade. Fez dela o que quis e quanto quis. Guiado pela vaidade, o aplauso e os holofotes, torneou juras, compromissos e esperanças, consumiu-se na raiva de quem o tomou por outro e, pior, pelo ridículo.

Recordar os últimos meses de Fernando Nobre é assim um acto doloroso. Uma dor que se sente na pele, como o ardor de uma inocência que insiste em confundir esperança e desejo com verdade pura e crua.

Afinal, aquele Fernando Nobre não existia. Perdeu-se na memória de tantos gestos despojados e admiráveis e ali ficou.

Restará agora a sua sombra, prostrada ao dízimo e ao esquecimento.

Pinela