Seguem comigo 39 anos.
Curto lastro dirão, alguns. Concordo.
Contudo, hoje, como nunca, sinto que muito do que deixo me desconforta, envergonha. Uma impressão funda, pesada, triste, a dor de uma perda. Algo que de mim se destacou, longe, perdido.
Dei passos demais. As pernas pensaram por mim, fizeram o meu caminho. E eu, estúpido passageiro, deixei-me ir, sem querer ver o que já se via.
E andei. Simplesmente andei. Tropicando aqui, ali, acolá, no dichote engraçado, no comentário lateral, na pequena ira do momento, ténues sulcos do que deveria ter sido, mas nunca fui.
Em cada pegada cega, a cada curva não escolhida, faltou-me pensar, criticar, censurar, combater, recusar. Não me dei ao trabalho, saciei-me na preguiça, no costume confortado.
E o caminho fez-se, feito comigo mas sem mim.
A Besta, essa, estava pronta. Não usou tácticas nem esquemas. Não foi preciso. Bastou-lhe a minha sombra, tranquila e garantida. Sabia aonde levava aquela estrada, aonde sempre levou.
E quando enfim me soube honrar, tudo se perdera, não havia mais destinos. Se não se escolhe por demasiado tempo, sobejam o negrume e os silêncios, cinzas da ganância e do Poder.
O futuro? Desconheço-o, temo-o. Por meus filhos, por todos nós. Andámos cegos, andamos ainda. A Besta está em nossa casa, a sua. Come a nosso lado, escolhendo, nada deixa.
Porém, na indistinta couraça, uma ínfima brecha persiste. Um vislumbre do que fomos, do que podemos ser.
E, assim queiramos, por ali poderá, ainda, irromper uma luz de outrora. O esplendor uno, poderoso, imparável, de milhões que dizem não.
E serão então nossos, de novo, o grito, a ideia e o caminho.